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Friday, November 30, 2007

Um poema para a Kitty...para que não pense que eu sou cruel

Em relação ao meu anterior post decidi responder ao comentário com este poema que a mim desde muito cedo me impressionou por ser um hino a todos os herois anónimos que fazem a história mas que nunca ficarão para a historia.

Calçada de Carriche

Luísa sobe,

sobe a calçada,

sobe e não pode

que vai cansada.

Sobe, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe

sobe a calçada.

Saiu de casa

de madrugada;

regressa a casa

é já noite fechada.

Na mão grosseira,

de pele queimada,

leva a lancheira

desengonçada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.



Luísa é nova,

desenxovalhada,

tem perna gorda,

bem torneada.

Ferve-lhe o sangue

de afogueada;

saltam-lhe os peitos

na caminhada.

Anda, Luísa.

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.



Passam magalas,

rapaziada,

palpam-lhe as coxas

não dá por nada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.



Chegou a casa

não disse nada.

Pegou na filha,

deu-lhe a mamada;

bebeu a sopa

numa golada;

lavou a loiça,

varreu a escada;

deu jeito à casa

desarranjada;

coseu a roupa

já remendada;

despiu-se à pressa,

desinteressada;

caiu na cama

de uma assentada;

chegou o homem,

viu-a deitada;

serviu-se dela,

não deu por nada.

Anda, Luísa.

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

Na manhã débil,

sem alvorada,

salta da cama,

desembestada;

puxa da filha,

dá-lhe a mamada;

veste-se à pressa,

desengonçada;

anda, ciranda,

desaustinada;

range o soalho

a cada passada,

salta para a rua,

corre açodada,

galga o passeio,

desce o passeio,

desce a calçada,

chega à oficina

à hora marcada,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga;

toca a sineta

na hora aprazada,

corre à cantina,

volta à toada,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga.

Regressa a casa

é já noite fechada.

Luísa arqueja

pela calçada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada,

sobe que sobe,

sobe a calçada,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

António Gedeão

1 comment:

Anonymous said...

Não,não penso. Sei que não és!Peço desculpa se não me fiz entender. E já agora. deixo aqui um poema que me diz muito do Fernando Tordo. É lindo.Vale a pena lê-lo, sobretudo senti-lo, ouvindo-o:

Na minha vida tive palmas e fracassos
Fui amargura feita notas e compassos
Aconteceu-me estar no palco atrás do pano
Tive a promessa de um contrato por um ano
A entrevista que era boa
E o meu futuro foi aquilo que se viu

Na minha vida tive beijos e empurrões
Esqueci a fome num banquete de ilusões
Não entendi a maior parte dos amores
Só percebi que alguns deixaram muitas dores
Fiz as cantigas que afinal ninguém ouviu
E o meu futuro foi aquilo que se viu

Adeus tristeza, até depois
Chamo-te triste por sentir que entre os dois
Não há mais nada pra fazer ou conversar
Chegou a hora de acabar

Na minha vida fiz viagens de ida e volta
Cantei de tudo por ser um cantor à solta
Devagarinho num couplé pra começar
Com muita força no refrão que é popular
Mas outra vez a triste sorte não sorriu
E o meu futuro foi aquilo que se viu

Na minha vida fui sempre um outro qualquer
Era tão fácil, bastava apenas escolher
Escolher-me a mim, pensei que isso era vaidade
Mas já passou, não sou melhor mas sou verdade
Não ando cá para sofrer mas para viver
E o meu futuro há-de ser o que eu quiser

Adeus tristeza, até depois
Chamo-te triste por sentir que entre os dois
Não há mais nada pra fazer ou conversar
Chegou a hora de acabar

"Sempre subindo a calçada", Kitty